O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens
e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta
Seria, com certeza, um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras
do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças
do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidades para a paz do
que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que
os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do
ponto de vista de uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.
Manoel de Barros
Lancei-me ao desafio de iniciar esse blog em dia de “responsa”: 14 de março, dia da poesia. Não poderia começar de outra forma que não fosse com uma poesia de Manoel de Barros.
Meu encontro com Manoel de Barros se deu quase que ao mesmo tempo em que descobri a fotografia. Ambos entraram na minha vida da maneira em que as coisas que já nos pertencem, e que só não tivemos a chance de reconhecer ainda, chegam e se encaixam. Sem dramas, sem esforço... Como reconhecer um amigo que há muito não vemos apesar do rosto marcado pelo tempo.
Ambos causaram em mim reações similares: Manoel mudou meu jeito de ler poesia, minha relação com a língua portuguesa (já transformada com Guimarães Rosa e Mia Couto) e meu olhar para as “coisas miúdas” – a fotografia, da mesma forma, mudou meu olhar para o mundo. Ambos me fizeram voar para além da porteira...
Tamanha foi a relação entre o que despertaram em mim que não me espantei quando tropecei no livro de Manoel, “Ensaios Fotográficos”, do qual a poesia acima faz parte. A meu ver, mais do que livros técnicos, mais do que aulas teóricas, todo aquele que pretende um dia se tornar fotógrafo deveria beber nessa fonte.
Manoel de Barros cria imagens fotográficas com sua poesia. A fotografia busca a poesia no sentido inverso.
Henri Cartier-Bresson , excepcional fotógrafo do cotidiano, diz: “Fotografar é pôr a cabeça, o olho e o coração no mesmo ponto de mira”...
Não passa pelo mesmo caminho, a poesia?
Há muito que cultivo a idéia de reunir minhas experiências fotográficas e o universo que elas suscitam em mim, em um só lugar.
Não tenho a pretensão de me considerar uma fotógrafa. Não freqüentei escola, não tenho formação técnica, muito menos equipamento compatível pra merecer o título de profissional. Sou sim uma colecionadora de imagens.
A idéia desse blog é compartilhar essas imagens – meus vôos na tentativa de ver o mundo com “olhos de borboleta”. Cada imagem funciona também como plataforma de lançamento para novos vôos – me remetem à histórias que vivi ou não, poesias e canções que me tocam a alma, ou pensamentos e questionamentos. Viagens...
Dia 14 de março, dia da poesia. Com a ajuda ilustre do mestre Manoel de Barros, solenemente declaro esse blog aberto a todos que quiserem participar dessa viagem.
Que possamos todos voar juntos muito além da porteira...