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sábado, 28 de abril de 2012

Simplicidade Mineira




Em uma das minhas passagens por Minas Gerais, estive 
com um caboclo desses que parecem extraídos 
de um livro de Guimarães Rosa.
Mineiro matuto, de sorriso largo e contador de “causos”,
seu nome era a única coisa que lhe fugia às origens: Enoc.
De resto, mineirice dos pés à cabeça.

Enoc come limão com casca sem partir.  
Come mesmo, não chupa...
Mastiga como se fosse uma uva. 
E sem fazer cara feia, o que é mais incrível.

Come banana com casca.

Eu, incrédula, fui perguntar o por quê... 

"- Cê é besta rapaiz ?!
Cascá e esperdiçá esse trem tudo?!
Eu já sei mesmo o que tem drento..."

Em Minas a simplicidade reina...

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O que se houve Além da Porteira:


Sem tirar nem por
(Celso Adolfo)

Eu já falei, repeti
Já avisei de onde é que eu sou
Sou de Aracaju, Marabá
BH, São Salvador
Eu como beiju, tutu
Danço samba-de-roda, maracatu
Maculelê, óia o vento
Ventando no bambu

O que eu vi qualquer um vê
É a tarde misturando a cor
Eu sou mineiro e faço conta
Sem tirar, sem tirar nem por

Tô no elevador
Tô pensando é na flor
Galinha na peia, dinheiro na meia
O passado é uma cor

Sem jeito, sem nada, sem trôco
Carrego essa vida no andor
Esse peso sei de cor, procissão sai
Sai a lua no céu de Matipó

Curral del rey, conceição
Curralim não sai de mim
Cabô o dinheiro, vou embora
Nem sei porque é que eu vim

Levarei a manhã
Cada coisa que me couber
O coração de uma mulher
Espere o dia que eu puder

Eu não posso perder
O trem não perco não
Onde vai parar, onde vai acabar?
Que é que tem pra encontrar?

Parado na rua eu penso, repenso a dor
Tanta dor, uma dor que restou
Meu amor me deixou
Foi mas não me levou

Meu balaio vai cheio de cor
Cada saudade é uma dor

Cabô o dinheiro
Não quero, não posso ficar aqui
Tão me esperando
A saudade partiu, vai me partir

Levarei a manhã
Cada coisa que me couber
O coração de uma mulher
Espere o dia que eu puder 

Eu não posso perder
O trem não perco não
Onde vai parar, onde vai acabar?
Que é que tem pra encontrar?

Parado na rua eu penso, repenso a dor
Tanta dor, uma dor que restou
Meu amor me deixou
Foi mas não me levou

Meu balaio vai cheio de cor
Penso a rosa
O que eu penso é na flor
Cada saudade é uma dor.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O Tempo



Histórias talhadas em sulcos de lágrimas e sorrisos
Escritas à ferrugem, bolor e restos de tinta
O tempo lentamente desenha seus caminhos e
Como a esfinge, nos desafia:
Decifra-me ou devoro-te...
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O que se houve Além da Porteira:


Oração ao tempo


És um senhor tão bonito                            De modo que o meu espírito

Quanto a cara do meu filho
                       Ganhe um brilho definido

Tempo tempo tempo tempo
                       Tempo tempo tempo tempo

Vou te fazer um pedido
                              E eu espalhe benefícios

Tempo tempo tempo tempo...                    Tempo tempo tempo tempo...

Compositor de destinos                              O que usaremos pra isso


Tambor de todos os rítmos
                         Fica guardado em sigilo  
Tempo tempo tempo tempo
                       Tempo tempo tempo tempo

Entro num acordo contigo                          Apenas contigo e comigo


Tempo tempo tempo tempo...                    Tempo tempo tempo tempo...

Por seres tão inventivo
                               E quando eu tiver saído
E pareceres contínuo                                  Para fora do teu círculo


Tempo tempo tempo tempo
                       Tempo tempo tempo tempo
És um dos deuses mais lindos
                  Não serei nem terás sido

Tempo tempo tempo tempo...                    Tempo tempo tempo tempo...

Que sejas ainda mais vivo
                        Ainda assim acredito

No som do meu estribilho
                         Ser possível reunirmo-nos

Tempo tempo tempo tempo
                      Tempo tempo tempo tempo

Ouve bem o que te digo
                            Num outro nível de vínculo

Tempo tempo tempo tempo...                   Tempo tempo tempo tempo...

Peço-te o prazer legítimo
                           Portanto peço-te aquilo

E o movimento preciso
                              E te ofereço elogios

Tempo tempo tempo tempo
                      Tempo tempo tempo tempo

Quando o tempo for propício
                    Nas rimas do meu estilo

Tempo tempo tempo tempo...                   Tempo tempo tempo tempo...

(Caetano Veloso)






Todas as fotos acima foram feitas na Vila Maria Zélia, primeira vila operária de São Paulo. A vila, no bairro do Belenzinho, abrigava imigrantes que vieram pra cá no início do século XX em busca de tempos melhores.
Entre ruínas e casas bem conservadas, onde ainda vivem famílias descendentes dos imigrantes que fundaram a vila, o velho vive em harmonia com o novo. As histórias de famílias inteiras são contadas de geração em geração e permanecem vivas nos vestígios deixados pelo tempo.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Espanador de tristezas



Tinha aprendido que era muito importante criar desobjectos.
certa tarde, envolto em tristezas, quis recusar o cinzento. 
Não munido de nenhum artefacto alegre, 
inventei um espanador de tristezas.
era de difícil manejo – mas funcionava.

Ondjaki

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O que se houve além da porteira




Relento

Quem nasceu como eu
Com os pés no regato
E cresceu flor do mato
Em beira de estrada
Olhando a passagem
De quem vai em viagem
Pra qualquer lugar


Quem nasceu como eu
Com os olhos postos numa estrela
Querendo entender
O além, o instante
O amigo do lado
Querendo entender
Quem nasceu assim como eu
Não vive essa vida, mas outra
Surgida de sonhos, de versos ouvidos
De histórias criadas, contadas
Ao pé da fogueira acendida
Num centro de alma vazia
Quem nasceu como eu
Quando perde um amor, um irmão, um amigo
É levado do peito o abrigo
É voltar a viver ao relento
Exposto à sombra e ao vento
Que sopra de noite e de dia
E apaga a fogueira que ardia

(Simone Guimarães/ Cristina Saraiva 
- na voz de Renato Braz


Observação pós-post: Simone Guimarães e Cristina Saraiva não me conhecem... mas a carapuça me serviu... e como serviu.